Star Trek: Sem Fronteiras – Crítica


Não é segredo a ninguém que J.J. Abrams conseguiu algo, no mínimo, formidável com Star Trek. Com seu reboot, apresentou a franquia a uma nova geração, contextualizando vários elementos tanto da série original quanto dos filmes anteriores, sem perder a essência ou cair no saudosismo barato. O diretor conseguiu na franquia Star Trek algo que colaborou muito no sucesso de – por exemplo – Star Wars: O Despertar da Força: A originalidade aliada à reverência. Tanto no filme de 2009, quanto no de 2013 e no Despertar da Força, de 2015, o diretor conseguiu colocar a sua personalidade vinculada à um espírito de familiaridade.

Entretanto, em Star Trek: Sem Fronteiras, Abrams volta apenas como produtor – decorrente de outros projetos, que vocês sabem do que se trata – e, seu substituto, Justin Lin, diretor de vários filmes da franquia Velozes e Furiosos, dirige o novo longa de maneira conturbada. Aqui o diretor repete um erro crucial que cometeu nos Velozes e Furiosos: Além de ter problemas na construção de toda a mise-en-scene, ele abusa dos cortes rápidos durante as cenas de ação, o que tira o espectador da imersão que o filme deveria colocar, o que não seria um problema se o filme tivesse a ação tão contida quanto nos anteriores, mas, como já era esperado, ele colocou longas sequências de ação no filme – danificadas, porém energéticas. Há, também, erros básicos de filmagem, especialmente nos diálogos, pois o diretor utiliza muito, nestes momentos, de closes nos personagens – característica de séries de TV, mas estamos tratando de um longa exibido em cinemas, correto? Isso é um problema porque ele perde a oportunidade, com isso, de utilizar, por exemplo, do físico vantajoso de seu vilão Krall, vivido por Idris Elba, além de boicotar grande parte do belíssimo trabalho visual do filme – trabalho o qual ele acerta muito. Nos poucos planos abertos do filme, vemos o quão rico nos detalhes é cada cenário. Claro, por se tratar de um filme espacial, há várias sequências com CGI, que aqui se encontra impecável e utilizado a favor da história, com altíssima qualidade – o que é o mínimo para um filme de orçamento tão alto em 2016.

O grande triunfo do filme se dá pelo dinâmico roteiro de Simon Pegg (sim, o Montgomery Scott da Enterprise) e Doug Jung. Embora exageradamente literal e com alguns diálogos levados pelo cafonês – sendo expositivos demais quanto à índole de muitos personagens – há uma ideia genial para a forma como os personagens se relacionam entre si: os roteiristas optaram por dividir todo o elenco em duplas, o que, além de contribuir trabalhando os personagens quase que individualmente, remete muito a série clássica. Há uma sacada no ato final que utiliza de um elemento do segundo ato que é realmente genial e evidencia o quão coerente e coeso é o roteiro do filme. Além de tudo, este é o filme mais engraçado e, consequentemente, divertido da franquia – e não se engane, o filme não cai na galhofada barata por isso. Todavia, há um problema neste filme que já vimos no anterior. Em ambos a atmosfera episódica é incômoda, tanto aqui quanto no filme de 2013 existem pouquíssimos trabalhos de roteiro para que no futuro, nos próximos filmes, algo substancial aconteça. Se O Despertar da Força arquiteta toda a nova franquia Star Wars, criando possíveis plots para os próximos filmes e funcionando como história fechada, este apenas funciona no próprio arco, o que, claro, não deixa de ser um ótimo exercício de gênero. Mas, de fato, é inegável que apesar de quase não desenvolver nada para o futuro, o simples – porém ótimo – argumento do filme funciona impecavelmente.

E aqui temos a prova viva de que uma boa história – ou um bom argumento – não precisa ser algo complexo. Se bem construída e, principalmente, atuada e montada, qualquer história consegue se vender. E, como aliado ao roteiro, todas as atuações estão impecáveis aqui. Aparentemente, Chris Pine se encontrou no papel e conseguiu nos apresentar um Capitão Kirk a altura. Porém, a estrutura do roteiro põe dois personagens em evidência e são de longe os mais divertidos: Spock, interpretado por Zachary Quinto, e Leonard McCoy, interpretado por Karl Urban. Alguns personagens funcionam surpreendentemente, principalmente por apresentarem algumas características curiosas, como, por exemplo, a Jaylah, interpretada pela Sofia Boutella, que não entende algumas expressões metafóricas ou atos básicos do cotidiano humano – essa característica dela não é tão hiperbólica como no personagem do Drax, de Guardiões da Galáxia, por exemplo – o que em alguns momentos funciona como alívio cômico. Aqui o personagem de Simon Pegg tem um espaço maior em relação aos filmes anteriores, o que é natural, levando em conta que o ator é um dos roteiristas. Já quanto ao vilão não há nada a se apontar que agregue positivamente ao personagem. Sua motivação é fraca e seu arco cai no clichê de utilizar como motivação a busca pelo já batido no cinema atual “objeto misterioso”. O ótimo elenco consegue passar todas as emoções que o roteiro precisa, além de atuarem de maneira extremamente sensível quando se referem à personagens cujos atores já vieram a falecer. Algumas cenas são tão tocantes que é quase impossível não ficar emocionado.

Que Anton Yelchin descanse em paz.

A trilha sonora acompanha o ritmo energético do filme, sendo até mesmo utilizada quase como uma personagem em determinadas ocasiões. É gritante nos momentos mais tensos, é sensível nos momentos mais humanos, e, obviamente, complementa perfeitamente o que a imagem tenta passar.

Star Trek: Sem Fronteiras é um filme com uma atmosfera familiar, com uma energia imensurável, ótimas atuações, alguns deslizes em determinados diálogos, porém com uma alma belíssima e um dinamismo excepcional. E se o diretor peca nos cortes e em alguns enquadramentos, compensa com um trabalho fantástico com todo o elenco e no tom agradável que o filme apresenta. Infelizmente a franquia está em um tabu quanto ao tom episódico, o que de fato não influência o arco do filme, mas poderia entusiasmar mais para o futuro que a franquia tomará. Não é inovador, mas, poxa, como eu queria que todos os “exercícios do gênero” fossem bons e divertidos como este.

E vida longa e próspera a Star Trek nos cinemas!


Nota do Avaliador:

E você, já assistiu ao Star Trek: Sem Fronteiras? Se sim, o que achou do filme?
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