Batman: A Piada Mortal – Crítica


Dentre tão polarizantes e polêmicas reações ao universo cinematográfico da DC Comics e naturais comparações ao sucesso titânico da maior concorrente (Marvel), há um certo consenso de que a primeira é a editora que não apenas conseguiu desenvolver um maior nível de qualidade, mas também um universo mais coerente em seus longas animados – a Ponto de vermos a Ignição de uma nova realidade sendo formada.

Por conseguir manter por muitos anos uma qualidade absurdamente alta de seus longas animados, a DC tinha uma responsabilidade um tanto quanto COLOSSAL com seu mais novo lançamento, a animação de um dos maiores clássicos dos quadrinhos do Batman; Uma das mais importantes histórias para se entender a relação entre o Morcego e seu maior vilão; Uma das mais polêmicas Novels dos anos 80; A irretocável e absurdamente coesa HQ, A Piada Mortal.

Mas eles poderiam tirar de letra. Conseguiram adaptar a mais importante obra escrita do Cruzado de Capa, que não apenas teve sua importância para o personagem, mas contribuiu para uma revolução nos quadrinhos, além de ser um dos melhores exemplos de como conduzir uma narrativa – Batman: O Cavaleiro das Trevas. Conseguiram não apenas passar as páginas para a animação de forma literal, mas também transmitiram a sua essência, mesmo com seu conteúdo original apresentando alguns discursos ultrapassados.

Além de já se provarem capazes de realizar tal feito, eles teriam a vantagem de adaptar uma história praticamente feita para mídia cinematográfica. Sim, A Piada Mortal é auto-adaptável. Alan Moore fez um roteiro tão amarrado, com quadros tão ligados que não deveria ser algo difícil de se projetar em vídeo. Isso é perceptível ao analisar minunciosamente quadro a quadro da obra original – toda cena é complementar a próxima estética ou simbólica/verbalmente, garantindo a coerência entre os quadros. Essa transição é um recurso cinematográfico chamado raccord, o qual Moore utiliza – juntamente de elipses – em toda a narrativa – desde o começo ao fim, de forma tão literal que o primeiro quadro é igual ao último da HQ, evidenciando um ciclo na relação entre o Homem Morcego e o Palhaço do Crime.
Primeiro e último quadro .
Transição entre quadros.

Com tudo isso a seu favor, além de possuir um elenco de dublagem invejável, trazendo Kevin Conroy, Mark Hamill e Tara Strong de volta à seus papéis os quais já são mais que consagrados, contando com Bruce Timm e Sam Liu na direção e com Brian Azzarello no roteiro, que já fez boas contribuições ao Coringa (ao lado de Lee Bermejo com a HQ "Coringa"), as expectativas sob o longa eram altíssimas – considerando ainda que este pode ser o último trabalho de Hamill como o Palhaço.

Porém, a animação falha em muitos pontos. Diferente da animação de Cavaleiro das Trevas, A Piada Mortal falha em traduzir a essência da Graphic Novel à animação, fazendo com que a animação perca grande parte da profundidade em relação a obra. Ela consegue ser literal em vários quadros, consegue transmitir a história com poucas deturpações, porém não tem nem de longe a construção tão coesa que Alan Moore fez. A evidência do ciclo entre os dois personagens, que ao menos deveriam ser os principais, é completamente perdida pela necessidade que o estúdio encontrou em adicionar 25 minutos de backstory da Barbara Gordon/Batgirl: O Erro Mortal.

Tudo bem, eles precisavam deixar a animação com 1h15 de duração, e as quarenta e poucas páginas da história original não conseguiriam suprir essa necessidade. O problema é que todo o arco inicial é tão mal utilizado que se destoa a todo o resto da história – que ao menos deveria ser – principal. Antes de você me xingar, acompanhe o porquê digo isso. Durante os 25 ~ 30 minutos iniciais acompanhamos o desenvolvimento tanto da Batgirl quanto de seu alter ego, Barbara Gordon. Durante 1/3 da animação vemos os últimos momentos de Barbara com o capuz, trabalhando nas ruas com o Homem Morcego. É uma ideia interessante desenvolver a personagem, pois uma das maiores críticas à obra original é de que a jovem Barbara Gordon aparece apenas para desenvolver a trama e não tem peso algum – um plot device –, porém, na animação eles conseguiram transformar a história não apenas desinteressante, como também fizeram da Batgirl uma personagem demasiadamente imatura, com uma falta de controle emocional maior que o necessário e de uma mente tão facilmente influenciável que há um momento em que ela obedece a um vilão – um vilão tão ruim que é a última coisa a ser lembrada em qualquer animação já feita pela DC –, mas não é como o Batman seguir o passos do Coringa para desvendar algo, ela estava em uma caçada às cegas e que era claramente uma cilada.

Há aqui um sério problema na americanização do termo "adulto". A obra original sempre foi conhecida por apresentar um conteúdo extremamente pesado para crianças – ainda mais considerando que é uma história feita durante a transição da era de bronze para a moderna dos quadrinhos, era a qual os quadrinhos se tornaram mais pesados – não apenas pela violência, mas por sua profundidade. Na animação vemos uma tentativa de explorar a censura R da maneira mais americana possível: com sexo e glamourização da  violência – típico do cinema hollywoodiano –, deixando de lado a busca pela complexidade e à utilização de recursos de linguagens cinematográficas mais variadas.

A partir do segundo ato, o longa apresenta uma boa adaptação de todo o quadrinho. Como dito, a essência é perdida por não nos proporcionar algo que é de extrema transparência a quem lê o quadrinho: os recursos cinematográficos usados – quiça até sem querer – por Alan Moore e a forma como o quadrinho tem seus simbolismos no simples ato do enquadramento, e, claro, em toda a ótima costura dos acontecimentos. Apesar de tudo, a animação conta com uma arma bastante fatal: Mark Hamill. O ator está excelente, sua interpretação é bastante sensível aos trejeitos do Coringa, ora consegue mostrar sua explosão, ora consegue mostrar sua genialidade, além de atuar habilmente nas cenas do passado do Palhaço do Crime. Além dele, Kevin Conroy se provou, mais um vez, ser o Batman definitivo. Desculpa, Ben. Logo no início do segundo ato, há uma cena em que o Morcego vai visitar o Coringa para discutir sobre o futuro deles. Quando Conroy começa a falar, é algo arrepiante e não tem como não deixar os fãs alegres. Mesmo apresentando dificuldades em traduzir a essência, a animação consegue passar a história com maestria, sem medo – há uma cena polêmica da animação que evidencia este fato – e transpondo algumas cenas quase que literalmente.

Tanto Bruce Timm quanto Azzarello chegaram a se pronunciar a respeito da polêmica presente na animação – que eu me recuso a comentar – e sobre todo o ato inicial, que envolve a Barbara Gordon. Para eles, fizeram da Batgirl a personagem mais forte de toda a animação, alegando que ela é a mais poderosa dentre todos os personagens presentes. Esse discurso talvez tenha sido a única Piada Mortal que Timm e Azzarello conseguiram reproduzir. É fato de que ela é a menos afetada emocionalmente pelos atos do segundo para o terceiro ato da animação, mesmo tendo ficado paraplégica, mas, calma aí, ela é completamente submissa de não apenas o Batman, mas de seu pai e até mesmo do """"""""vilão"""""""". Eu fiquei me perguntando: "quando o amigo dela, da biblioteca, também vai controlá-la?" – será que eles conseguirão colocar mais algum personagem tão ruim quanto esse amigo em alguma animação futura? Difícil, mas uma coisa é certa: Na animação, em 2016, conseguiram ser mais machistas e fizeram um desserviço maior à personagem do que uma HQ dos anos 80.

Claro, se você se esforçar pode pegar um belo paralelo da relação entre a Batgirl e o incrível vilão do primeiro ato da animação. Aparentemente, Azzarello quis fazer uma analogia entre a relação Batman/Coringa, mas o desenvolvimento disso é tão falho e tudo sai tão mal executado no primeiro ato que no máximo deixou a Barbara como uma personagem de intelecto duvidoso, o que, se você conhece a personagem e todas as histórias com ela, sabe que é uma blasfêmia. Parabéns.

Além de tudo isso, o problema no segundo e do terceiro ato é que ele parece ser outro filme. Parece meio controverso dizer isso, sendo que disse que a animação melhora muito a partir daí, mas este é um ponto que deve ser discutido: Se queriam tanto dar uma maior atenção à Barbara, por que simplesmente esqueceram dela a partir do segundo ato? Por exemplo, se uma pessoa que nunca sequer ouviu falar da Piada Mortal for assistir a animação de gaiato, inicialmente pensará que esta é uma história focada na Batgirl, mas a partir do segundo ato eles simplesmente esquecem da personagem, a colocando em pouquíssimas cenas – uma com o Gordon e outra com o Batman. Depois, no meio dos créditos, parece que os produtores se ligaram e falaram: "Putz, esquecemos da Barbara! Já sei, vamos colocar uma cena para mostrar que ela vai virar a Oráculo.". Ótima ideia... Se já não bastassem todas as falhas já evidenciadas, no primeiro ato, o personagem que deveria ser um dos principais ao longo da história não é nem ao menos citado – o Coringa não existe nos primeiros 25 minutos, basicamente.

Se você busca ver a HQ da Piada Mortal pela história e pelo peso no cânone do Batman, talvez goste bastante da animação. Apesar de ter tantos problemas, aqui vemos coisas muito boas que deveriam ser implantadas nas próximas animações. Por exemplo, toda a arte é muito bonita e as mudanças de palhetas de cores são usadas perfeitamente, fazendo com que o espectador sempre tenha uma noção excelente de que a cena a qual está assistindo se passa no passado ou no presente. Além disso, é inegável que há uma coragem enorme no roteiro em deixar o final ambíguo e, claro, manter várias decisões que Alan Moore já havia tomado e que são arriscadas. Além dos já citados Mark Hamill e Kevin Conroy, Tara Strong está excelente como a Barbara e não deixa nada a desejar, assim como Ray Wise se apresenta muito bem como Comissário Gordon, com destaque para a cena da tortura. Outro acerto considerável foi em remover as sirenes na famosa e ambígua cena final, para fazer com que o espectador consiga focar no epicentro da cena e ter maior poder de reflexão sobre o acontecimento.

Outro fator que colabora positivamente com o longa é a ótima trilha sonora. Especialmente (mais um vez) depois do segundo ato, a trilha ajuda nos momentos de tensão e nas cenas de ação, com destaque no momento em que o Coringa começa a cantar.

A maior parte dos problemas apresentados são, sim, por saudosismo à obra dos anos 80. Mas não há como evitar comparações e não exigir uma boa adaptação, levando como base todo o histórico de animações inspiradas em quadrinhos da DC Comics, que são – quase sempre – bem adaptadas e, mesmo as que não são adaptações de um arco específico, tem um nível de qualidade consideravelmente maior do que Batman: A Piada Mortal apresenta. Uma boa adaptação não significa uma foto cópia da obra original, mas transmitir de forma concisa e bem trabalhada boa parte da genialidade do produto original, sempre mantendo um alto nível de qualidade, visando não apenas à quem já conhece, mas, também, deixando trivial para qualquer público, para que haja, cada vez mais, novos fãs. O maior exemplo de como fazer um longa excelente, mudando muitos elementos dos quadrinhos – sendo até melhor – é Liga da Justiça: Ponto de Ignição.

Com uma direção mal conduzida, roteiro instável, artes belíssimas, atuações excelentes e uma adaptação bastante literal – pecando apenas na essência –, Batman: A Piada Mortal consegue divertir, porém é inegável que tantos problemas a prejudiquem bastante. Os 50 minutos finais deixam o espectador eufórico e é inegável o que há um bom entretenimento. Não chega aos pés do alto nível já imposto pela própria DC, ficando muito abaixo da maioria dos outros trabalho do estúdio. Porém, não deixe de assistir e tirar suas próprias conclusões.

  Nota do avaliador:

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